Vida

Vida de Suami Paula de Azevedo


Suami no colo dos pais (1946)

Pai


Guardo tuas palavras
Que tanto contestei
Repetindo-as aos meus

Quão doce fostes
Sinto hoje
No calor das lembranças
A falta que o mantém

Por vezes
Ouço no silêncio
As firmes decisões que me alumias
Com que sabias
Descobrir caminhos

E eu não
Ainda não



Os Olhos

Os olhos de minha mãe sempre 
               Indicavam caminhos
Nas noites dos seus olhos
Brilhavam luas incandescentes
De prata ficavam os mares
Nas rotas que me escolhi
Sei como sabia que não ia me perder
Nas coisas que não sabia
Teria o colo e suas mãos
Afagos e balanços
Segurança e perdão

Os olhos de minha mãe brilhavam
               O dia que um dia vai chegar
Fundos como cavernas
Protetoras do frio
Do vento ou do espinho
Chegavam lindos de cores
Como as flores da alegria
Domavam o triste
Afastavam a solidão
Rendavam de luzes ternas as ruas
Da infância eterna que me guia



A Marca do Poeta

Versos bem humorados
São poemas do Mário Poeta
Fino corte de ironia

Sempre vivo jogo que se rege
Qual antigas adagas de prata
Chegou da nossa velha Alegrete
Tornou-se da açoriana cidade
Porto dos Casais Alegre

Dona Maria Izolete Borges Ferreira de Paula
Depois também de Azevedo
Igualmente vinda
Da antiga vila na mui distante fronteira
Sem jeito de aula
Minha mãezinha retoma
Imagens de quando menina
E sem mesmo querer
Desmistifica o que me era Mário
O filho do seu Quintana
Da farmácia da esquina



Aspectos de Autobiografia:


Um Olhar Sobre o Ombro
         

                 Cansa responder com a minha profissão, como todo mundo faz, ao ser perguntado sobre o que sou. Numa entrevista respondi: "Sou uma Pessoa". Como qualquer pessoa temos muitas facetas, fazemos muitas coisas. Por que reduzir? Começo do começo. Olhar para trás. Estou longe de alcançar o significado do meu nome, Suami, do indu “Swami”, “mestre de si mesmo”. Nasci sob o signo de Câncer, com ascendente em Leão. Dizem que é por isso que gosto da arte, da família e dos amigos. Suzano é a minha Aldeia. Sou suzanense por Decreto Legislativo, título que me foi concedido como presente de Natal em 1999, pelos Vereadores da Cidade, em iniciativa do amigo Walter Roberto Bio. Vivi na infância e juventude em muitas cidades, gosto de viajar, mas adoro voltar. Bebo pouco, mas gosto de um bom vinho. Aprendi a saboreá-lo nas cantinas da Serra Gaúcha e apurei um pouco o gosto durante meu tempo de espera em estudos na Europa, na juventude. Não sei jogar, nem me interesso. Houve tempo em que gostava de fumar um bom charuto do leve tabaco havana. Hoje nem fumo cigarro, não apenas porque fumante virou inimigo público, mas porque passou a me incomodar mais do que dar prazer. Mesmo assim não me tornei um anti-tabagista xiita. Preocupo-me com a defesa do meio-ambiente e milito em algumas entidades e no CONDEMA local. Assumo posições políticas também sempre que a palavra é ameaçada na liberdade. De família grande, lembro o doce desfrute da infância e da adolescência. Meu pai, velho militar do Exército, foi determinante em minha formação ética. De minha mãe recebi, além da morenice a sensibilidade e a vontade de viver. Com orgulho sou Mestre na Augusta e Respeitável Loja Simbólica “Campos de Mirambava”, que ajudei a fundar. Cursei Direito, Pedagogia e Letras. Em 71 fui para a Europa, já casado com a querida Cristiane. Completei o Mestrado e o Diploma de Estudos Aprofundados do Doutorado na Universidade de Paris - Sorbonne. Voltamos com o filho Rodrigo, que logo teve a companhia da irmãzinha Juliana, hoje ambos universitários. Amo lecionar e vibro quando consigo chegar aos alunos. Ingressei por Concurso no Magistério Oficial Paulista como Professor de Português, sendo hoje Diretor da Escola Estadual "Dr. Morato de Oliveira" e Professor Adjunto da Universidade Braz Cubas. Gosto de mar, mesmo que só para contemplar, até para só ouvir o rumorejar. Adoro Jazz, em especial quando nos instrumentos vocais de três musas, Billie Holiday, Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald. Amo os "standards" dos anos 30, 40, 50, de Gershwin, Porter, Kern, Berlin, Rodgers e Hart. Ou um solo de Chet Baker ou Bird Parker. E tanta gente mais da música por aí. Fui formado na Bossa Nova, e deformado em solfejo, por isso acho que desafino até tocando campainha. Reconheço que por trauma sou analfabeto em partitura musical. Amo música, de Mozart, Bach, ou de Jobim, Chico e Caetano, como a voz de Elis e de Djavan, em destaque sobre tantos mais. Escrevo com certa facilidade, mas tenho o vício de fazer intermináveis correções. Mantenho há anos uma coluna semanal de crônicas no jornal Diário de Suzano. Sinto não desenhar e nem filmar mais. Tenho um ídolo em Leonardo da Vinci. Fui iniciado em poesia pelos simbolistas, amando os que valorizam a musicalidade e a palavra. Uma satisfação ter recebido importantes prêmios por minha poesia. Entre os livros que publiquei um considero especial, a antologia "Páginas e Paisagens - 30 Anos de Poesia". Orgulho-me de ter escrito o livro "Suzano - Estrada Real : Roteiro Emocionado da Minha Cidade". Tenho publicado uma grande quantidade de artigos, crônicas e poemas em revistas e jornais, além de trabalhos acadêmicos. Acho que trabalho demais, mas não me considero um "workaholic", e como gosto de tudo o que faço não consigo, e no fundo nem penso, parar qualquer de minhas tantas atividades. Não me incomoda usar um terno com gravata sóbria. Chego aos cinqüenta cheio de planos e quero realizá-los. Sei no entanto que tenho muito a melhorar, consciente de que sou apenas uma pedra ainda bruta, e que falta muito para me tornar uma pedra polida.



Rio de Janeiro:

Um Tempo

A praia era imensa
Nos dias da minha infância
Na enseada de Icaraí
Como eram doces as guerras de mamona
Diversas ai tão diversas
Das guerras em que depois me meti
Tão bom comer fruta no pé
Caju carambola pitanga sapoti cajá 
Ingênuo encanto do canto do amor primeiro
Voava na minha bicicleta ligeira
Por toda a costa até a Fortaleza
Que beleza as coloridas canoas dos pescadores
Vistas através das suas redes
Depois da aldeia de São Francisco
As gaivotas e as garças
Passam como num filme
De que fomos personagens um dia
Paisagem em mim retida
Com uma ponta de nostalgia
Um cadinho doce de orgulho
Do tão bonito que já vivi
Seria isso o tempo
Desencontrado na crônica solta
Que recolhemos nas mãos
Como um perfume fica
Escondido na memória da gente?



São Paulo - Bairro de Pinheiros

Turma do Colegial 1967- Fernão Dias


PUC – Poemas Políticos

Sobrevivente
                             À Rinaldinho
                                Giba
                                Fleury
                                Celso

Ter solidão por companhia
é caminhar a noite nas ruas
olhar os rostos que passam
esquecer o olhar que devia
abater no ar nossa raiva


Olho as ruas vazias das faces amigas
em todos as faces vazias do medo

Tempos há sem alternativa
Nada além do limite
entre a vida e a morte
Ir ou ficar é deixar de viver
Partir
é despedaçar o seu coração
Sei
ficar é dedicar-se à morrer
como vive
                 se é mesmo que vive
tangido o inimigo do rei
Um dia é ter de partir
algum dia o de voltar
nada além do limite
entre a vida e a morte

Se partir
Talvez eu mesmo não volte
Talvez eu não volte o mesmo
Não voltaria inteiro
Quem consegue voltar?

Olho as ruas vazias das faces amigas
em todos as faces vazias do medo


  
Partida – Exílio

Quando eu Parti

Ali tão distantes
do alcance dos meus braços
estariam me vendo?
O meu pai a minha mãe
Envelhecidos talvez
Envelhecido eu certamente
Todos do lado de fora do tempo
O meu pai a minha mãe
Ela em suave aceno
Ele com o lenço na mão
Estático no convés eu me lembro
O meu pai a minha mãe
No cais
se afastando sempre
sem parar


O meu pai eu não vi mais


França:

Port de Brume

                                 Chanson
J’ai mis des étoiles au ciel
Le brillant du feu dans la nuit
Le clair de la lune qui fuit
J’ai mis cette étrange frisson
Dans la brise tiède et légère
J’ai mis cette mer émeraude
De l’autre côté de la rue
J’ai  mis le matin blanc et nu
À couvrir ton corps libre et beau
J’ai  mis le parfun à ouvrir
La fleur reveillant la journée
Ton sourrire et la fantaisie

La pluie quand elle est venie
Était si froide et salée
Alors j’ai mis un grand quai
Et de ce port dans la brume
Un bateau noir s’éloignait
J’ai mis aussi ton adieu
Et mon regard ridicule
Sur l’océan gemissant
J’ai mis une île distante
Et sur cet île une baie
Le silence et la nostalgie
D’un rouge coucher du soleil



Argot
                                                           À Gerard Brignol
                                E aos antigos colegas da Sorbonne
O francês que eu sabia
se tanto
              comprava comida
quando pus os pés na França
naquela noite distante e fria
Gare de St. Lazare
Na Paris da minha juventude
tive de falar inglês
                              melhor dizer o Franglais
que todo mundo sabia

Quando aprendi a usar um pouco o idioma
já o havia desaprendido nas ruas
Só conhecia a língua falada
                                             com que o povo conversa
que para escrever
usa a língua setecentista
como a antiga aristocracia

A fala da gente gaulesa se enfeita
                                                       em retomada criativa
na palavra arcaica do povo
onde encontra suas gírias
onde vive o som da sua maviosa poesia



Primeiro Hotel

Aquele hotel sem vergonha
subindo a Rue Cujas
no meio da Rive Gauche
sofria no coração
Seria o meu jeito ainda burguês
resistente a tantos embates?
Seria a tosse maligna
no vizinho do meu quarto?
Seria o sentido da solidão
na perda do meu país
ao me descobrir estrangeiro?


Família:

A Minha Namorada

Crônica do DIÁRIO DE SUZANO

            Alguém me diz que um dos elementos do meu sonho, o Rainbow Room, maravilhoso restaurante de Nova York foi fechado. Por que? Nem posso conceber. Por que fechar na cidade mais liberal uma casa decorada como há sessenta anos? Uma casa onde até os toaletes são locais especiais. Onde se come bem e se dança com música ao vivo por orquestras de grande nível como as big-bands dos anos 30 e 40? Com aquela adorável música americana da época. Se alguém pensa que é anacrônico é porque não sabe que a casa sempre esteve cheia. Era preciso marcar reservas semanas antes.
            Minha geração foi criada sob o signo do Rock and Roll. Nosso primeiro grande ídolo internacional foi Elvis Presley. Mas do Rock fomos aprendendo as “baladas”, que era como chamávamos as canções românticas. E voltamos a dançar rosto contra rosto, e tudo o mais, é claro. Final dos anos 50. Já entrávamos no curso ginasial. Apareciam as Rádios FM. Os cigarros com filtro. Foi quando conheci o Jazz. Desse encontro acabei chegando à música americana dos anos 30 e 40 que tanto me impressiona. Eram dessa época os escritores americanos que mais me agradavam, como Fitzgerald e Hemingway. Já pensei no quanto isso podia ser tido como anacrônico, se não fosse tão clássico. Talvez tenha sido essa a minha doce base romântica.
            Em Nova York, comemorando os primeiros 25 anos de casados, jantamos naquele Rainbow Room, dançamos ao som daqueles tempos mágicos. Como não voar fora do tempo atual? Como todos em volta, vestíamos de acordo com o sonho, elas de longo, eles em ternos sóbrios ou smoking. Seria tudo apenas efeito do vinho? Seria talvez aquela luz discreta das velas sobre a mesa apenas iluminando o necessário? Seriamos apenas nós, dois namorados sem vínculos com o tempo, anacronicamente apartados no espaço onírico de imagens cinematográficas? Será que nada daquilo existia? Será que nós existíamos de fato? Mas aquela música teima em permanecer até hoje em meus ouvidos como se afirmando que o sonho não acabou.
            Chegando a esses quarenta anos que levo para conhecer Minha Namorada não posso deixar de conservar alguns registros. Quem não os constrói no tempo? É o que vou tentando marcar e guardar. Serão todos só os mágicos? Sei apenas que são esses os que guardei. Como não agradecer à Namorada pela magia?

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