Há mais vinte anos mantém coluna regular com crônicas semanais neste
mesmo Jornal e nos demais órgãos do Grupo DS de Comunicação
(AT Notícias e Alto Tietê Revista).
Não obstante, escreve esporadicamente para outras publicações,
especialmente da Região, sobre assuntos variados, com destaque para temas
educacionais e culturais/artísticos.
Mantém coluna regular no blogdofernandes.com.
Seus artigos científicos estão em diversas publicações, especialmente
acadêmicas e sites.
Algumas Crônicas –
seleção:
1. Essa Nossa Gente
A
crônica nos permite dividir com os demais a nossa leitura do mundo. Encontrar
parceiros na experiência de aprender a vida. Quem sabe pode ser bom para outro?
A crônica pode ter um lado poético,
quanto irônico, até mesmo debochado. A crônica somos nós, o nosso dia a dia,
como a uma fotografia. Quando fotografamos, nem sempre percebemos os detalhes
ou implicações, que podemos, depois, ir descobrindo.
Claro,
tem coisa que, ainda, nos espantada. Como o monte de estupidez de atitudes,
gestos e palavras, à menina expulsa/não-expulsa por que foi com vestido curto à
faculdade. A menina fez uma provocação? Parece que tanto quanto muitas de sua
idade. Mas, onde se aprende, o que é adequado ou não a se usar, a se fazer, nos
diversos lugares? Gente rica porta-se melhor? Foi a primeira vez? O que a escola
fez antes? A escola é tão diferente das outras, onde o mesmo ocorre sem
espantar alunos e professores? É apenas uma explosão de intolerância? Coisa que
quase sempre mostra sinal de estrabismo social, de machismo, de falta de
sociabilidade e de noção de posturas, fato que, com certeza, passou pelos
bancos escolares do ensino fundamental daquela gente, mas que já vem dos lares
carentes disso.
Lembro-me
de quando jovem, nos anos de chumbo, que os grupos políticos de linha chinesa
(como a Ação Popular - AP, católica-maoísta, a que o então jovem líder
estudantil José Serra era ligado) afirmavam que um dia o “povo,
espontaneamente, ia levantar-se contra os detentores do poder”. Trotsky e Lenin
haviam afirmado coisa diferente, que nada ocorre “espontaneamente”, que mesmo
os operários e camponeses passam pela liderança de pequeno-burgueses
esclarecidos. Observando-se as cenas do tumulto ocorrido na escola (de ensino
superior?) não há como deixar de reconhecer lideranças intolerantes
(fascistoides? conservadorismo de classe C?) conduzindo o processo, junto com a
malandragem. E, obviamente, devem ter ocorrido outros exemplos de intolerância
no mesmo local, com conhecimento dos dirigentes da faculdade, provavelmente,
sem a mesma divulgação. Pouca reflexão, né não?
Essa
nossa gente...
Aí pus o meu chapéu-panamá e saí no
calor. O primeiro amigo que encontro na rua me avisa que o meu querido chapéu
está furado no alto da copa. É uma mania, as pessoas vivem me avisando disso.
Já sei, o que mais responder? É assim mesmo. Gente, um chapéu confortável, não
pode ser largado só por isso. Todo panamá fura depois de alguns anos. Mas quem
ama não abandona.
Um outro me perguntou se chapéu a
gente veste? Uma ousadia. Só aconselho a não calçar o chapéu, se você tiver. O
que sei é que os dicionários dizem que chapéu é uma vestimenta para cobrir a
cabeça. E estava aí pensando nisso, quando me lembrei de dois tipos de chapéus
que meu pai usava quando eu era criança. Lembro-me bem de um boné branco com
aba de celulóide verde, pousando uma sombra colorida sobre metade do seu rosto.
Era bonito aquilo. Não lembro mais de ter visto esse tipo.
Lembro também de um chapéu-panamá que
meu pai usava na praia, só que ele chamava de chapéu-do-chile. Também era
molinho como gosto do meu. Coisa gozada, porque o melhor chapéu-panamá vem do
Equador. Mas gosto muito de usar também um chapéu de palha nordestino, barato,
macio e resistente, não sei de que tipo de palha. Nunca mais encontrei um
parecido. Coisa bem criativa, né não?
E aí foi o apagão, de novo, outra vez,
novamente!
Essa nossa gente...
2. Contando Histórias
Por vezes temos de nos colocar com aquilo que Bertold Brecht chamou de “distanciamento” dos fatos. Aí, nos vêm aquelas expressões do tipo, “havia tempo em que...”. Será que as pessoas mudam?
Podemos
lembrar que já houve tempo em que a rua era das pessoas, dos mais velhos e das
crianças. Antes do por do sol, especialmente nos verões e primaveras, as
pessoas colocavam as cadeiras em frente das casas e se tomava a “fresca da
tarde”. Coisa típica de bairros, da gente que chegava do serviço, orgulhosa de
seu trabalho, com satisfação de sua família, trocando novidades da cidade.
Nem se
imagina mais como isso poderia voltar a acontecer. De alguma maneira se pode
acusar a televisão de ter acabado com esse processo de relacionamento, como
acabou com os nossos sotaques. As pessoas se recolheram, mas a questão do medo,
insegurança, é bem depois.
Muitos
ainda lembram do “footing”. As moças e os rapazes dirigiam-se às praças para se
olharem, “flertarem” uns com os outros. Comendo pipoca até ficar de boca seca.
Enquanto as senhoras, que acompanhavam as moças, “tricotavam”, literalmente, ou
só comentavam os vestidos, acima ou abaixo dos joelhos. Havia tanto para se
falar.
Isso
ainda persistiu até o início dos anos 60. Mesmo em bairros da capital. Na mesma
época já se faziam os bailinhos, reuniões de fim de semana, ao som do “pick-up
e seus negrinhos” (a vitrola e os long-plays em vinil). Aí sim, a coisa já
começou a esquentar. Já se confeccionavam as “cubas-libres”, de coca-cola e
rum, os “sambas” de cachaça com guaraná, e outros. Muita gente da época começou
a fumar nessas ocasiões. Também, pudera (olha que expressão mais estranha!), a
menina ali na sua frente e você sem saber se podia ir ou não. Sim, por que você
podia convidar para dançar e a menina recusar, “dar tábua”, o que lhe colocava
no chão, uma humilhação.
Havia
também o “escurinho do cinema”, nas “matinées” que sempre acabavam na melhor
parte, acendendo aquela enorme luz inconveniente. E quem não tinha namorada
fazia barulho. Isso mesmo. Enxotava o condor da abertura dos filmes dessa
produtora. Desafiava o leão da Metro com voz esganiçada. Contava o filme em voz
alta e produzia outros ruídos menos higiênicos. E na falta do que fazer, alguns
até brigavam.
As pessoas são as mesmas, têm as
mesmas idades. O mundo mudou, ou só passou para dentro de casa e do shopping
com outras roupas?
Vamos lá, ninguém é tão ingênuo de pensar que a questão ecológica não é um problema de ordem econômica. Não só uma questão de custos, é mais, algo que se apresenta como de profunda perda de receita, não apenas de perda de impostos, mas também de lucros. Pensemos juntos.
Os meus leitores sabem que de há muito
questiono as restrições (tão aceitas) aos direitos do cidadão. Aprendemos no
Brasil, mas lentamente. Os franceses já dispunham de uma revista aí por 1975,
que já testava produtos, criação do Instituto Nacional de Consumo, um órgão
oficial. O que não temos aqui ainda é o reconhecimento dos direitos do
contribuinte. Nem pensar nisso na Ditadura. E os que vieram depois sempre
gostaram de um Estado forte. Veja-se agora, o poder público oficializou, por
meio de Lei, que permite a União, estados e municípios pagarem o que devem aos
cidadãos (os tais precatórios, mesmo alimentares) se quiserem, quando quiserem.
Quem dirá que isso é inconstitucional?
Não vamos aqui discutir possível aplicação de
teoria marxista e propor socialismos, com Estado amplíssimo. Isso já ficou
demonstrado ser tolice ou má-fé, mesmo que teoricamente seja bonita, não vira
utopia, mas sonho sem realidade prática viável. Onde foi aplicado levou a
tiranias de vários tipos, com privilégios para os parentes e amigos do Rei e
distribuição da miséria, nunca da riqueza.
Nem vamos acabar com o Estado, que
precisa estar presente, mas isento em seus três poderes. Ainda que tenhamos
demonstrações na nossa recente história de que é constante a confusão entre
poder estatal e poder governamental. Até, senão, pela reduzida alternância de
“donos” do poder, também pela excessiva intervenção ideológica no serviço
público. Mesmo que choquem decisões de viés político da Corte Suprema de
Justiça brasileira que assume posição de se eximir de definir para lançar-se em
“pareceres” ambíguos como os do caso Battisti e da censura ao jornal o Estado
de S. Paulo. Pois bem, há instantes em que o Estado tem de intervir em favor da
sociedade, da nação. Na verdade, há mesmo um Conselho de nível superior que
pode ser chamado pelo Presidente da República para assessorá-lo. Não sei de
nada parecido em nível estadual e municipal.
Mas, enfim, a questão do meio-ambiente
não é ponto a ser colocado em segundo plano. E não é de hoje. Envolvo-me nisso
há uns quarenta anos. Participei da primeira turma do COMDEMA de Suzano, que
hoje nem sei mais se existe. Sei que um dia o que vai comandar a nós todos será
a questão ecológica. Coisa que os nossos governantes ainda tratam como
chateação, e o nosso povo, por desinformação, em grande parte nem sabe a que se
refere. Mas já começa a desconfiar pelos sinais de mudança climática.
Lembro que há coisa de uns vinte anos,
no início dos anos de 1990, escrevi no meu livro “Suzano Estrada Real” que
achava acertada a opinião do caipira que dizia ser a mudança no tempo resultado
desse “monte de foguetes que lançavam no espaço”, alguns me criticaram. Entendo
que ela a frase sintetiza a enorme e desavisada aplicação de tecnologia. Hoje
está ai provado. Quem deixa de perceber que nós, os nossos filhos, e, quem
sabe? os nossos netos, teremos pouco tempo e muito a fazer para mudar o curso
da história que se oferece ao planeta?
Só temo quando lembro do que ouvi de
um jovem esta semana: “alguém vai nos tirar deste atoleiro”. Não somos
responsáveis, já? E cada um de nós, pelo que fazemos?
Para mim, sem dúvida, como para muitos, Billie Holiday, a Lady Day, foi a maior cantora de Jazz. Tenho um certo carinho por outras divas, particularmente Sarah Vaughan, como também Ella Fitzgerald, mas Billie me toca profundamente. Ela chega a qualquer que se abra em sensibilidade, adulto ou criança. Minha filha, desde pequena, ouvia-a, e, mesmo sem entender inglês, sentia o algo um tanto dramático, um tanto trágico, de sua maneira, totalmente pessoal, de emitir a voz. Aliás, sua capacidade vocal não era enorme, mas o modo de alongar as sílabas, um jeito de se colocar em paralelo com os instrumentos, em andamento diverso, tornava-a tão especial.
Billie
Holiday morreu a 17 de julho de 1959, aos quarenta e quatro anos de idade. Ela
dizia chamar-se Eleonora Harris (ou Eleonora Fagan Gough, depois de 1929), em
Filadelfia, em 7 de abril de 1915. Mas não se sabe de quem tenha visto a sua
certidão de nascimento.
Nas
lojas de disco sempre há coletâneas suas. Não são difíceis de achar nem são
caras. Quem não a conhece não sabe o que perdeu até aqui. Ela gravou de 1933
até sua morte em 1959. Quem quer mais pode procurar as coleções, por
gravadoras, todas em CDs. Indico “Lady Day: The Complete Billie Holiday on
Columbia” (1933-1944); “The Commodore Master Takes” (1939-1944); “The Complete
Original American Decca” (1944-1950) e a “The Complete Billie Holiday on Verve”
(até 1959). Não é difícil
encontrar também algumas de suas exibições em DVD. Sobre sua vida sugiro a sua
autobiografia, escrita em parceria com William Dufty “Lady Sings the
Blues”.
Billie
indica que suas preferências quanto a instrumentistas eram muito próprias: os
saxofonistas Lester Young, com quem partilhava forte amizade, que ela chamava
de “Prez” (Presidente), sendo ela chamada por ele de “Lady Day”, Coleman
Hawkins e Bem Webster; em especial o trompetista Louis Armstrong; os
bandleaders Duke Ellington (piano), Benny Goodman (clarineta), com quem gravou
pela primeira vez, e Count Basie (piano).
Há de se
reconhecer que o Blues está na base de toda a música afro-americana, mas o jazz
vai além. Certa vez li uma frase de Count Basie: “Billie cantava o blues –
algumas vezes do jeito dela – mas ela não era uma cantora de blues. Ela era uma
estilista. Foi a primeira cantora que nós tivemos. Tocar com ela era demais. Eu
ficava tão emocionado ao ouvi-la quanto a platéia”.
Uma
imagem que me fica de Billie Holiday é a de uma orquídea, ou de plumas, em seu
cabelo, no vestido ou no casaco. Uma delicadeza.
5. Pra Falar em Humanidades
No início dos anos de 1970, entusiasmado com a idéia de cientificismo, fazendo o mestrado, pesquisava modo de tornar mais objetiva a área de Humanidades. Hoje, muita gente ainda vê o quantitativo das Ciências Naturais como superior e as Humanas, como Educação, uma “quase ciência”. Felizmente, a gente aprende, até com os erros e busca melhorar. Claro, nem todos.
Lembrei disso quando o estado de São
Paulo determinou, primeiro, que só aumentaria salário de professores que
demonstrassem “produtividade”. Talvez uma forma de contabilização mercantilista
da Educação. Depois, decidiu que o aumento só viria para uns poucos que
tirassem nota alta numa prova escrita. Quem já refletiu sobre avaliação, grande
tema educacional, sabe o quanto tudo isso é precário. Uma prova não é
suficiente para medir tudo, nem mesmo “produção” escolar. Será que todo
docente, ou diretor, que passe em prova escrita é, só por isso, bom na sua
função educadora? Mas, não existe há anos uma lei estadual que regule o aumento
salarial anual?
Quando os Estados Unidos perceberam
que sua Educação afundava, na época dos Spuniks soviéticos, reuniram alguns
sábios para encontrar soluções. Surgiram idéias, modeladas pela tecnologia
(Ainda sofremos disso aqui). Quarenta anos depois, fim dos anos 1990, eles
propuseram nova Educação, que não atraia mais os jovens, chamaram sindicatos,
estudiosos, provocaram imensos debates com os profissionais na sociedade.
Aumentaram o piso salarial dos profissionais pelo melhor nível nacional.
Criaram comissões com sindicatos, patrões, profissionais, para acompanhar e
avaliar as escolas, as condições de trabalho e, em contrapartida, cobrança de
resultados em aproveitamento dos alunos, com vários padrões regionais,
necessários a um país grande. Se o professor não consegue possibilitar a seus
alunos melhores resultados, tudo é analisado localmente. Ele receberá mais
apoio, em sua formação e nas condições específicas de exercício. Se o problema,
ainda assim persistir, ele poderá ser afastado para uma preparação melhor ou
para outra função. Podendo por fim, ser mesmo dispensado, exonerado. No Chile
aconteceu algo semelhante, não sei se persiste, mudou governo. Aliás,
participei de projetos semelhantes no Conselho Nacional de Educação. Ah, era
outro governo, claro, tinha de ser alterado.
A faixa etária dos professores
paulistas é muito mais velha que a dos americanos. Em cinco anos faltarão ainda
muitos milhares mais de professores. Ou ficarão os que não conseguiram coisa
melhor ou os incapazes de tudo, e, quem sabe, algum onírico idealista. Só se
fala em aposentadoria. Educar é tratar de Humanidades, coisa complexa,
necessariamente vocação e técnica, cultura, mas, sobretudo, Ética. Certo, há
quem pense que é só missão suicida.
Hoje, no Brasil, as pessoas não chegam
à escola para aprender, mas para dominar códigos para alcançar o sucesso: “o
poder, a fama, o dinheiro”. O que gera mais conflito, mais violência. Muitas
vezes o “melhor aluno” não é, nem será, o melhor cidadão. Mas poderá ser um
bandido mais bem preparado em técnicas e ideologias.
Enfim, será que os governantes, sempre
tão sábios e atentos sobre nós, um dia, perguntarão aos Educadores, que escola
se tem, qual se precisa e como fazê-la? Não só para formar gente capaz de passar
em provas, mas para termos um melhor cidadão? É verdade, que pode vir a cobrar
Ética dos governantes, né não? Deixa quieto?...
Fiquei olhando aquelas fotos de Brasília. De fato, aquela Cidade deve ser para os brasilienses, ou para a gente ir e voltar. Nas vezes em que lá fui não senti exatamente que era, ou que poderia ser, o meu lugar. Sou mais Suzano, mesmo, sei disso. Ela e seus cinqüenta anos, novinha, bonita de ver, de longe, com um não sei quê de meio frígida, desculpem. Com a chegada de Juscelino Kubitschek à Presidência da República passamos a ouvir muito falar dela. Estudava no Colégio Salesiano Santa Rosa, em Niterói. E os padres falavam muito do fundador da Ordem, o santo Dom Bosco, que disse que no meio da América nasceria uma Cidade especial com um destino fantástico no mundo. Algo de mágico, de divino, sei lá. Depois fui sabendo que até os Inconfidentes Mineiros já propunham uma cidade no Planalto Central do Brasil. Era preciso a marcha para o Oeste. Nós, caranguejos, agora já aprendemos a sair do litoral, ultrapassamos Brasília. Enfim, ela lá e eu aqui. Cada um na sua, né não?
Hoje foi um daqueles
dias, dou-me conta. Um jovem, especialista em Informática, em hardware e em
software, falava-me em coisas da sua área que ainda me são complicadas. Como
lhe explicar que bem antes dele nascer, aí por 1975, fazendo Pós, na
Universidade, aplicava um livro em computador para analisá-lo
quantitativamente? Ele me olhava de olhos arregalados: que tipo de computador?
Queria saber. Se me lembro bem era um IBM 360, já ouviu falar? Não conhecia,
sacudiu a cabeça, como se falasse de dinossauros. E não era mesmo coisa da Era
Cenozóica? Diverti-me a lhe explicar que primeiro digitávamos, perfurando
cartões, que depois eram lidos, registrados pelas fitas magnéticas do
computador. A máquina ocupava toda uma sala com seus vários gravadores de
discos, como cassetes gigantes de um metro de largura. O lugar ficava muito
quente, mesmo com o ar condicionado ligado 24 horas por dia. Eh, tempo, seu!
O som que me vem é de
João Gilberto, puro, afiado, afinado, preciso. Assisti a um show dele em que
para de tocar, olha para cima e manda desligar o ar condicionado. Não podia ter
a garganta ameaçada. Ninguém achou que fosse um exagero. Todos aplaudiram. Gosto
dele desde 1958, quando ouvi pela primeira vez tocando “Chega de Saudade”.
Estava no Ginásio, algo equivalente ao Ciclo II do Ensino Fundamental. Ele
trazia algo muito diferente de tudo o que se ouvia na Rádio Nacional. Ainda não
sabia da tal de Alta Fidelidade, que viria mais tarde, e conheci ouvindo jazz.
Aí, Mundo, se eu me chamasse Raimundo... E o som que ele tirava do violão
parecia que tocava lá dentro da gente, com algo como uma percussão tirada num
eco de contrabaixo. Depois fui sabendo de outras coisas, o tal de “Desafinado”
e por aí foi. Ainda me emociono ao ouvi-lo. Se ele tem sucessor? Ouçam a Rosa
Passos. Artista é aquele que domina a técnica e traduz o mais sensível. Razão e
emoção que nos envolvem, com simplicidade, Arte. Sem tempo, só agora.
Acabei lembrando da
lição do Poeta-Filósofo Octávio Paz (“Os Filhos do Barro”): “A modernidade é um
conceito exclusivamente ocidental e não aparece em nenhuma outra civilização”.
Estamos amarrados ao tempo, como nos disse um outro Poeta? Não somos só o que
sabemos e o que somos capazes de aprender? E nosso tempo não seria apenas hoje?
7. Dia da Educação
Por volta de 1870,
comentava-se que o governo do Segundo Império do Brasil teria concedido
autorização ao Barão de Mauá, o introdutor da estrada de ferro no País,
associado a João Ribeiro dos Santos Camargo, para que construíssem um ramal
ferroviário, que partiria da Estação de Rio Grande (da Serra) e que, passando
necessariamente pelo Baruel, seguiria, em direção ao Rio de Janeiro, até
Jacareí. A mesma Jacareí que abria o Vale do rio Paraíba e que ganhava
importância, tendo sido elevada à condição de Município em 1849, seis anos
antes de Mogi das Cruzes.
Essa comentada
autorização para a construção do ramal criou a esperança que aquele povo no
Baruel precisava. A gente do povoado já vislumbrava o seu desenvolvimento, não
era um sonho, era expectativa.
Lembremos que o
Baruel havia sido apenas uma parada, uma pousada, na passagem de viajantes. O
núcleo populacional inicia-se de fato no último quartel do século XVII,
significando àquela altura, na segunda metade do século XIX, perto de duzentos
anos de povoação. Era ainda uma gleba afastada de Mogi das Cruzes a que
pertencia administrativamente. Não havia porque receber maior preponderância se
efetivamente não o merecesse.
O Baruel já havia
destacado um local para instalar a sua escola, a reivindicação da população
seguramente já era feita há muitos anos. Então, foi com festas que se recebeu a
informação de que havia sido promulgada a Lei de 28 de março de 1870. Ela
criava, anexa à Capela de Nossa Senhora da Piedade, na Vila do Baruel, uma
“cadeira de primeiras letras para o sexo masculino”.
A esperança de
progresso do povo do local não era portanto uma visão sem lastro no real. Era
de fato patente o seu crescimento. Um simples dado o comprova definitivamente,
o local já contava com treze casas comerciais e gente de boas posses.
E nessa época, a
criação da Escola representava o reconhecimento efetivo de que a povoação já
adquiria uma significação em termos de população. Ficava assim demonstrada a
maturidade adquirida com tanto esforço por aquela comunidade simples.
Pode ser difícil de
se compreender hoje, mas estamos falando de uma época onde não era considerado
“algo positivo” uma mulher saber ler e escrever. Mais ainda pelos sertões deste
nosso Brasil. Vale aqui considerarmos que só início deste século XX uma mulher
brasileira chegou, pela primeira vez aos bancos universitários. E mais ainda.
Só em 1932, após a Revolução Constitucionalista, é que a mulher tem reconhecida
a sua dignidade plena de cidadã brasileira, usufruindo do direito do voto. Fato
que na realidade coloca o Brasil como um dos pioneiros do mundo.
Educação sempre foi
um ponto de honra para os suzanenses, como o demonstram suas manifestações até
hoje. E devemos nos orgulhar disso, mesmo sabendo que ainda temos muito a fazer
na área. Por isso, esta data, 28 de março de 1870, criação de nossa primeira
escola, deve merecer comemoração. Uma Lei Municipal já marca a vontade popular
reconhecida, em Projeto do Vereador Israel Lacerda, cria o Dia da Educação de
Suzano, e dá início às comemorações do Aniversário da cidade de Suzano.
Numa época em que os
Educadores são tão desconsiderados, quando decisões de Educação são tomadas sem
que eles sejam ouvidos, quando não tem recursos salariais para regular vida
digna, para fundamentarem sua formação e construírem cultura, faz-se importante
este registro.
8. Histórias
Numa conversa com amigos, daquelas de
jogar conversa fora, ouvimos umas tantas histórias. Quase sempre nem lembramos
no dia seguinte. Mas se lembramos em outra ocasião, também valem, agregam ao
encontro com amigos.
Você
já pensou nisso, nesses encontros com amigos, como uma terapia? Não? Então
pense, sim. Amigos são para a gente se soltar. Conte lá suas histórias. Jure
sempre que são reais, como dizem os americanos no início dos filmes de ficção:
“baseado em fatos reais”. O que, verdadeiramente, quer dizer “baseado”? Olha,
juro que nem estou falando da tal daquela erva tanto proibida quanto consumida.
Mas o tal baseado permite tudo. Quer dizer, adaptamos do real. Ou seja, tudo é
tirado do real, ainda que a gente tenha acrescentado algo a mais, né não?
Lembra
daquele velho ditado? Coisa de gente antiga, que dizia assim: “quem conta um
conto aumenta um ponto”? Caramba, todo cara que mexe, ou já mexeu, com
literatura sabe disso. Coisa que vale para todo mundo, seja professor, seja
escritor, ou seja, talvez o mais importante, o leitor. Todo mundo sabe que a
gente pode até nem aumentar, mas apenas “ilustrar”, ou por outra, a gente pode
“enriquecer” uma história, que ouviu, leu ou mesmo que entendeu.
Já
reparou que as gentes entendem o que lhes contam de maneiras diferentes, de
maneiras diversas, uns dos outros, dependendo da ocasião?
Lembro
de um verso do poeta português Eugénio de Andrade, em que ele dizia que seu
ofício era “juntar palavras”. Lembro também de ter ficado um tempão pensando
sobre isso. O fim no homem talvez seja mesmo só se comunicar, encontrar
linguagens, repassá-las aos outros, de modo que eles entendam e nos digam como
as receberam, o que entenderam, como entenderam. Não seria esta a finalidade só
do poeta, mas do ser humano, dividir com o outro o que sente, o que pensa, o
que entende do mundo? Então, se a gente está aí só para misturar palavras (e
elas já existiam bem antes de nós), o que nos resta é partilhar.
Então,
contemos nossas histórias.
Estava
pensando em poesia, que é uma coisa que não pode ser sintetizada. Mesmo assim,
ainda lembro de uma professora que me pediu para sintetizar, “bem rapidinho,
com poucas palavras”, um longo poema de Castro Alves, sobre a escravidão. Disse
apenas, “emocionante”. Ela não gostou e abaixou a minha nota. Anos depois
aprendi que o poema já é a maior síntese possível de alguma coisa dita. E, ainda
assim, um poema chega de modo diverso a cada um. Como é então que duas pessoas
podem ler igual?
Certa
vez, num curso de pós-graduação, o professor pediu que falássemos sobre
“percurso”. Todos filosofaram sobre o tema. Na minha vez fui contando como sai
de casa e cheguei ali, com seus altos e baixos. O mestre disse que todos haviam
se afastado da história, eu havia sido o único que entrei na história. Já sabia
que filosofando a gente também consegue escapar. Não vi porquê fugir. A gente
não quer melhorar o mundo?
Num
poema lembrei do jazz. Nessa música cada instrumentista que interpreta recria
através da sua leitura. Há uma troca incessante entre quem escreve e quem lê.
Não é assim também que o mundo anda? Que a gente se relaciona com os outros? O
mundo é melhor quando todos se doam. Histórias.
9. Poesia, Poesias
Dia desses um amigo me pedia, numa
daquelas conversas de se jogar fora, que escrevesse mais sobre a poesia. Ele
tinha passado a ler poesia “devagar”, como disse, prestando atenção aos versos,
coisa que nunca havia feito antes. E percebia que a poesia de qualidade dizia
coisas muito importantes. Na ocasião alguém me disse que havia o Dia Nacional
da Poesia, que ele não sabia quando era, só sabia que não era comemorado por
ninguém. Seria mesmo verdade?
Já
sabia desse tal Dia constar no calendário oficial do País. Não lembrava mais
quando era. Nem cheguei a pesquisar, pois, por acaso, abrindo um livro do poeta
baiano Castro Alves (1847-1871), acabei lendo que seu nascimento, a 14 de
março, era comemorado como Dia Nacional da Poesia.
Seria
uma homenagem apenas ao Poeta? Ou seria algo bem mais amplo? Seria uma
homenagem à criação poética? À arte poética? Ao fazer poético? E o que seria
exatamente isso, esse tal de fazer poesia?
E,
finalmente, qual a importância da poesia para a melhoria do ser humano? Em que
melhoraria a civilização, no caso, a brasileira? Onde a poesia poderia
contribuir para que vivêssemos num mundo melhor?
Sabemos
todos que existe preconceito contra a poesia, não cabe se fazer de ingênuo.
Para mim, poesia, a partir dos dezessete, dezoito anos, passou a ser um meio de
descoberta do mundo. A gente se torna mais sensível ante as coisas e ante as
pessoas. Depois que percebi que os poetas olham o mundo de um modo diferente da
pessoa comum, descrevendo ângulos, facetas, que passam despercebidas às demais,
a poesia passou a ser uma necessidade para mim. Não me contentava mais em
apenas ler, precisa escrever poesia. Aquilo tinha de fazer parte de mim. De
algum modo também passei a olhar o mundo com outros olhos.
Há
pouco lembrava de uns versos do poeta espanhol Garcia Lorca, morto pelas tropas
franquistas na Guerra Civil Espanhola (1936). Ele disse assim em “La Balada Del
Agua Del Mar”: “El mar,/ Sonríe a lo
lejos./ Dientes de espuma,/ Lábios de cielo”. O que, numa tradução livre, seria
algo como: “O mar/ sorri ao longe. Dentes de espuma/ lábios de céu”. Quanta
coisa isso poderia significar. O mar seria uma imensa boca, a nos chamar? A nos
atrair? pronta a nos beijar? ou a nos devorar? O poeta não tem de dizer, tem de
nos sugerir, nos levar a interpretar o mundo que como leitores recriamos.
Mas
o que seria ainda a poesia?
Para
mim, sempre estive seguro disto, a poesia é o fazer do homem. Pois é, o homem é
um ser complexo, muito complicado. Mas só o homem é capaz de construir este
mundo como o temos hoje. Claro, o mesmo homem tem a capacidade de destruí-lo,
igualmente. Mas o homem é esse ser porque se junta, porque aprende junto,
porque faz junto, porque se encontra. Pois então estava certo Vinicius de
Moraes: “A vida é a arte dos encontros, embora haja tantos desencontros pela
vida”.
Que
coisa danada é essa tal de poesia. Viva ela!
Então é Natal... Ouvi essa frase já umas tantas vezes este ano. E ela sempre me parece bonita, como o verso daquela música. E com ela vem todo o encanto que o Natal nos transporta.
Não
me importa se o natal para muitos tem só finalidade de lucro. Se é bom para
toda a economia é assim para toda a gente. Mas, voltemos às imagens que
guardamos dentro da gente. Elas me vieram de uns pássaros...
Chovia
lá fora. Por isso mesmo o gorjear de passarinhos me pareceu estranho. Parei
para ouvir melhor. Não era um canto, podia ser talvez um choro. Olhei para fora
do vitrô e vi dois passarinhos tagarelando no parapeito. Eram duas andorinhas
ali pousadas e muito molhadas.
Caramba,
o Verão está mesmo chegando, me dei conta.
O
que fizemos com o clima do nosso planeta, da nossa terra, é coisa doente, como
uma perversão. A corrupção do mundo. O planeta ainda é redondo, ainda gira em
volta do Sol, mas não conseguimos mais manter as temperaturas, nem mesmo as
condições climáticas das estações. Como saber que o Verão é Verão? Por que está
marcado que ele começa dia 21 de dezembro? Só isso? As suas características são
quais? Quem lembra? É quente e tem pancadas de chuva? Só?
E
as antigas Primavera e Outono que chamávamos de meia-estação?
E
a Terra da Garoa? Onde isso? Sumiu no tempo e no espaço.
Não
é conversa de elevador. Não é mais. É preocupação.
Há
pouco olhei lá fora, o tempo nublado, mas não chove. A gente diria antes que o
“tempo está encoberto”, quando o Sol ficava assim escondido. Seria poluição?
Está fresquinho. Mais uma frente fria que chegou dos Andes ou da Patagônia?
Coisas do efeito “La Niña”, ou talvez do seu semelhante o perverso “El Niño”?
Deve ser por aí.
E
as andorinhas já voam sua dança alegre. Pra lá e pra cá. Elas cantam aquela sua
melodia que sempre reconheci, desde criança. Mesmo quando esqueci, ocupado com
os problemas do mundo. Com os meus problemas do mundo, diria melhor, sei lá.
Posso
voltar no tempo. Com as mesmas andorinhas da minha infância que faziam o Verão.
Era tudo cheio de alegria. Eu lembro. Quem mais lembra?
Eram
muitas, no olhar de um menino eram milhares, eram milhões. Elas não paravam.
Depois, ao chegar a noite, quando os pais nos deixavam sair, ouvíamos o
chilrear delas pousadas nas árvores das praças. Elas ficavam ali nos galhos
conversando antes de dormir, como ouvíamos os pais conversando no outro quarto.
O mundo girava e tudo seguia normal. Sentíamos segurança, podíamos dormir.
No
dia seguinte, olha elas pelo céu. Ligeiras em suas manobras acrobáticas. Era
sinal claro. A escola tinha acabado, pelo menos por aquele ano. E depois vinham
as festas. Quando íamos ficando maiorzinhos vinha também a Missa do Galo, muito
tarde da noite. Vinham os presentes. Caramba, vinha Papai Noel. Então era
Natal...
Havia
os presentes, é claro. Mas não era só isso, havia todo um envoltório, um clima.
Uma criança talvez não entenda tudo o que ocorre a sua volta, é verdade, mas
sente o clima, fica atenta aos sinais, positivos ou negativos. E à expectativa
das festas. Mas a criança sente quando há esperança de um Novo Ano Bom, ou não.
Que
cada um de nós consiga encher o peito de esperança e transmiti-la aos outros.
Olhemos as andorinhas, elas querem fazer o Verão cheio de alegria.
Gosto muito de crônicas. continue publicando suas crônicas para que não só eu, mas todos possam conhecer seu trabalho que é ótimo.
ResponderExcluirUm abraço