Crônicas

Desde 1978 escreve no jornal “DIÁRIO DE SUZANO” (antes “Comarca de Suzano”), o mais antigo da cidade de Suzano (Grande São Paulo – Alto Tietê), onde vive.
Há mais vinte anos mantém coluna regular com crônicas semanais neste mesmo Jornal e nos demais órgãos do Grupo DS de Comunicação
(AT Notícias e Alto Tietê Revista).
Não obstante, escreve esporadicamente para outras publicações, especialmente da Região, sobre assuntos variados, com destaque para temas educacionais e culturais/artísticos.
Mantém coluna regular no blogdofernandes.com.
Seus artigos científicos estão em diversas publicações, especialmente acadêmicas e sites.

Algumas Crônicas – seleção:




 1. Essa Nossa Gente 




            A crônica nos permite dividir com os demais a nossa leitura do mundo. Encontrar parceiros na experiência de aprender a vida. Quem sabe pode ser bom para outro?
A crônica pode ter um lado poético, quanto irônico, até mesmo debochado. A crônica somos nós, o nosso dia a dia, como a uma fotografia. Quando fotografamos, nem sempre percebemos os detalhes ou implicações, que podemos, depois, ir descobrindo.
            Claro, tem coisa que, ainda, nos espantada. Como o monte de estupidez de atitudes, gestos e palavras, à menina expulsa/não-expulsa por que foi com vestido curto à faculdade. A menina fez uma provocação? Parece que tanto quanto muitas de sua idade. Mas, onde se aprende, o que é adequado ou não a se usar, a se fazer, nos diversos lugares? Gente rica porta-se melhor? Foi a primeira vez? O que a escola fez antes? A escola é tão diferente das outras, onde o mesmo ocorre sem espantar alunos e professores? É apenas uma explosão de intolerância? Coisa que quase sempre mostra sinal de estrabismo social, de machismo, de falta de sociabilidade e de noção de posturas, fato que, com certeza, passou pelos bancos escolares do ensino fundamental daquela gente, mas que já vem dos lares carentes disso. 
            Lembro-me de quando jovem, nos anos de chumbo, que os grupos políticos de linha chinesa (como a Ação Popular - AP, católica-maoísta, a que o então jovem líder estudantil José Serra era ligado) afirmavam que um dia o “povo, espontaneamente, ia levantar-se contra os detentores do poder”. Trotsky e Lenin haviam afirmado coisa diferente, que nada ocorre “espontaneamente”, que mesmo os operários e camponeses passam pela liderança de pequeno-burgueses esclarecidos. Observando-se as cenas do tumulto ocorrido na escola (de ensino superior?) não há como deixar de reconhecer lideranças intolerantes (fascistoides? conservadorismo de classe C?) conduzindo o processo, junto com a malandragem. E, obviamente, devem ter ocorrido outros exemplos de intolerância no mesmo local, com conhecimento dos dirigentes da faculdade, provavelmente, sem a mesma divulgação. Pouca reflexão, né não?
            Essa nossa gente...
Aí pus o meu chapéu-panamá e saí no calor. O primeiro amigo que encontro na rua me avisa que o meu querido chapéu está furado no alto da copa. É uma mania, as pessoas vivem me avisando disso. Já sei, o que mais responder? É assim mesmo. Gente, um chapéu confortável, não pode ser largado só por isso. Todo panamá fura depois de alguns anos. Mas quem ama não abandona.
Um outro me perguntou se chapéu a gente veste? Uma ousadia. Só aconselho a não calçar o chapéu, se você tiver. O que sei é que os dicionários dizem que chapéu é uma vestimenta para cobrir a cabeça. E estava aí pensando nisso, quando me lembrei de dois tipos de chapéus que meu pai usava quando eu era criança. Lembro-me bem de um boné branco com aba de celulóide verde, pousando uma sombra colorida sobre metade do seu rosto. Era bonito aquilo. Não lembro mais de ter visto esse tipo.
Lembro também de um chapéu-panamá que meu pai usava na praia, só que ele chamava de chapéu-do-chile. Também era molinho como gosto do meu. Coisa gozada, porque o melhor chapéu-panamá vem do Equador. Mas gosto muito de usar também um chapéu de palha nordestino, barato, macio e resistente, não sei de que tipo de palha. Nunca mais encontrei um parecido. Coisa bem criativa, né não?
E aí foi o apagão, de novo, outra vez, novamente!
Essa nossa gente...



2. Contando Histórias






            Por vezes temos de nos colocar com aquilo que Bertold Brecht chamou de “distanciamento” dos fatos. Aí, nos vêm aquelas expressões do tipo, “havia tempo em que...”. Será que as pessoas mudam?
            Podemos lembrar que já houve tempo em que a rua era das pessoas, dos mais velhos e das crianças. Antes do por do sol, especialmente nos verões e primaveras, as pessoas colocavam as cadeiras em frente das casas e se tomava a “fresca da tarde”. Coisa típica de bairros, da gente que chegava do serviço, orgulhosa de seu trabalho, com satisfação de sua família, trocando novidades da cidade.
            Nem se imagina mais como isso poderia voltar a acontecer. De alguma maneira se pode acusar a televisão de ter acabado com esse processo de relacionamento, como acabou com os nossos sotaques. As pessoas se recolheram, mas a questão do medo, insegurança, é bem depois. 
            Muitos ainda lembram do “footing”. As moças e os rapazes dirigiam-se às praças para se olharem, “flertarem” uns com os outros. Comendo pipoca até ficar de boca seca. Enquanto as senhoras, que acompanhavam as moças, “tricotavam”, literalmente, ou só comentavam os vestidos, acima ou abaixo dos joelhos. Havia tanto para se falar.
            Isso ainda persistiu até o início dos anos 60. Mesmo em bairros da capital. Na mesma época já se faziam os bailinhos, reuniões de fim de semana, ao som do “pick-up e seus negrinhos” (a vitrola e os long-plays em vinil). Aí sim, a coisa já começou a esquentar. Já se confeccionavam as “cubas-libres”, de coca-cola e rum, os “sambas” de cachaça com guaraná, e outros. Muita gente da época começou a fumar nessas ocasiões. Também, pudera (olha que expressão mais estranha!), a menina ali na sua frente e você sem saber se podia ir ou não. Sim, por que você podia convidar para dançar e a menina recusar, “dar tábua”, o que lhe colocava no chão, uma humilhação.
            Havia também o “escurinho do cinema”, nas “matinées” que sempre acabavam na melhor parte, acendendo aquela enorme luz inconveniente. E quem não tinha namorada fazia barulho. Isso mesmo. Enxotava o condor da abertura dos filmes dessa produtora. Desafiava o leão da Metro com voz esganiçada. Contava o filme em voz alta e produzia outros ruídos menos higiênicos. E na falta do que fazer, alguns até brigavam.
As pessoas são as mesmas, têm as mesmas idades. O mundo mudou, ou só passou para dentro de casa e do shopping com outras roupas?  
             

3. A Esperança é Verde

             Vamos lá, ninguém é tão ingênuo de pensar que a questão ecológica não é um problema de ordem econômica. Não só uma questão de custos, é mais, algo que se apresenta como de profunda perda de receita, não apenas de perda de impostos, mas também de lucros. Pensemos juntos.
Os meus leitores sabem que de há muito questiono as restrições (tão aceitas) aos direitos do cidadão. Aprendemos no Brasil, mas lentamente. Os franceses já dispunham de uma revista aí por 1975, que já testava produtos, criação do Instituto Nacional de Consumo, um órgão oficial. O que não temos aqui ainda é o reconhecimento dos direitos do contribuinte. Nem pensar nisso na Ditadura. E os que vieram depois sempre gostaram de um Estado forte. Veja-se agora, o poder público oficializou, por meio de Lei, que permite a União, estados e municípios pagarem o que devem aos cidadãos (os tais precatórios, mesmo alimentares) se quiserem, quando quiserem. Quem dirá que isso é inconstitucional?  
 Não vamos aqui discutir possível aplicação de teoria marxista e propor socialismos, com Estado amplíssimo. Isso já ficou demonstrado ser tolice ou má-fé, mesmo que teoricamente seja bonita, não vira utopia, mas sonho sem realidade prática viável. Onde foi aplicado levou a tiranias de vários tipos, com privilégios para os parentes e amigos do Rei e distribuição da miséria, nunca da riqueza.
Nem vamos acabar com o Estado, que precisa estar presente, mas isento em seus três poderes. Ainda que tenhamos demonstrações na nossa recente história de que é constante a confusão entre poder estatal e poder governamental. Até, senão, pela reduzida alternância de “donos” do poder, também pela excessiva intervenção ideológica no serviço público. Mesmo que choquem decisões de viés político da Corte Suprema de Justiça brasileira que assume posição de se eximir de definir para lançar-se em “pareceres” ambíguos como os do caso Battisti e da censura ao jornal o Estado de S. Paulo. Pois bem, há instantes em que o Estado tem de intervir em favor da sociedade, da nação. Na verdade, há mesmo um Conselho de nível superior que pode ser chamado pelo Presidente da República para assessorá-lo. Não sei de nada parecido em nível estadual e municipal.
Mas, enfim, a questão do meio-ambiente não é ponto a ser colocado em segundo plano. E não é de hoje. Envolvo-me nisso há uns quarenta anos. Participei da primeira turma do COMDEMA de Suzano, que hoje nem sei mais se existe. Sei que um dia o que vai comandar a nós todos será a questão ecológica. Coisa que os nossos governantes ainda tratam como chateação, e o nosso povo, por desinformação, em grande parte nem sabe a que se refere. Mas já começa a desconfiar pelos sinais de mudança climática.
Lembro que há coisa de uns vinte anos, no início dos anos de 1990, escrevi no meu livro “Suzano Estrada Real” que achava acertada a opinião do caipira que dizia ser a mudança no tempo resultado desse “monte de foguetes que lançavam no espaço”, alguns me criticaram. Entendo que ela a frase sintetiza a enorme e desavisada aplicação de tecnologia. Hoje está ai provado. Quem deixa de perceber que nós, os nossos filhos, e, quem sabe? os nossos netos, teremos pouco tempo e muito a fazer para mudar o curso da história que se oferece ao planeta?
Só temo quando lembro do que ouvi de um jovem esta semana: “alguém vai nos tirar deste atoleiro”. Não somos responsáveis, já? E cada um de nós, pelo que fazemos?          


4. Billie Holiday, que falta nos faz  



Para mim, sem dúvida, como para muitos, Billie Holiday, a Lady Day, foi a maior cantora de Jazz. Tenho um certo carinho por outras divas, particularmente Sarah Vaughan, como também Ella Fitzgerald, mas Billie me toca profundamente. Ela chega a qualquer que se abra em sensibilidade, adulto ou criança. Minha filha, desde pequena, ouvia-a, e, mesmo sem entender inglês, sentia o algo um tanto dramático, um tanto trágico, de sua maneira, totalmente pessoal, de emitir a voz. Aliás, sua capacidade vocal não era enorme, mas o modo de alongar as sílabas, um jeito de se colocar em paralelo com os instrumentos, em andamento diverso, tornava-a tão especial.
            Billie Holiday morreu a 17 de julho de 1959, aos quarenta e quatro anos de idade. Ela dizia chamar-se Eleonora Harris (ou Eleonora Fagan Gough, depois de 1929), em Filadelfia, em 7 de abril de 1915. Mas não se sabe de quem tenha visto a sua certidão de nascimento.
            Nas lojas de disco sempre há coletâneas suas. Não são difíceis de achar nem são caras. Quem não a conhece não sabe o que perdeu até aqui. Ela gravou de 1933 até sua morte em 1959. Quem quer mais pode procurar as coleções, por gravadoras, todas em CDs. Indico “Lady Day: The Complete Billie Holiday on Columbia” (1933-1944); “The Commodore Master Takes” (1939-1944); “The Complete Original American Decca” (1944-1950) e a “The Complete Billie Holiday on Verve” (até 1959). Não é difícil encontrar também algumas de suas exibições em DVD. Sobre sua vida sugiro a sua autobiografia, escrita em parceria com William Dufty “Lady Sings the Blues”.  
            Billie indica que suas preferências quanto a instrumentistas eram muito próprias: os saxofonistas Lester Young, com quem partilhava forte amizade, que ela chamava de “Prez” (Presidente), sendo ela chamada por ele de “Lady Day”, Coleman Hawkins e Bem Webster; em especial o trompetista Louis Armstrong; os bandleaders Duke Ellington (piano), Benny Goodman (clarineta), com quem gravou pela primeira vez, e Count Basie (piano). 
            Há de se reconhecer que o Blues está na base de toda a música afro-americana, mas o jazz vai além. Certa vez li uma frase de Count Basie: “Billie cantava o blues – algumas vezes do jeito dela – mas ela não era uma cantora de blues. Ela era uma estilista. Foi a primeira cantora que nós tivemos. Tocar com ela era demais. Eu ficava tão emocionado ao ouvi-la quanto a platéia”.
            Uma imagem que me fica de Billie Holiday é a de uma orquídea, ou de plumas, em seu cabelo, no vestido ou no casaco. Uma delicadeza.     



5. Pra Falar em Humanidades  



            No início dos anos de 1970, entusiasmado com a idéia de cientificismo, fazendo o mestrado, pesquisava modo de tornar mais objetiva a área de Humanidades. Hoje, muita gente ainda vê o quantitativo das Ciências Naturais como superior e as Humanas, como Educação, uma “quase ciência”. Felizmente, a gente aprende, até com os erros e busca melhorar. Claro, nem todos.
Lembrei disso quando o estado de São Paulo determinou, primeiro, que só aumentaria salário de professores que demonstrassem “produtividade”. Talvez uma forma de contabilização mercantilista da Educação. Depois, decidiu que o aumento só viria para uns poucos que tirassem nota alta numa prova escrita. Quem já refletiu sobre avaliação, grande tema educacional, sabe o quanto tudo isso é precário. Uma prova não é suficiente para medir tudo, nem mesmo “produção” escolar. Será que todo docente, ou diretor, que passe em prova escrita é, só por isso, bom na sua função educadora? Mas, não existe há anos uma lei estadual que regule o aumento salarial anual?
Quando os Estados Unidos perceberam que sua Educação afundava, na época dos Spuniks soviéticos, reuniram alguns sábios para encontrar soluções. Surgiram idéias, modeladas pela tecnologia (Ainda sofremos disso aqui). Quarenta anos depois, fim dos anos 1990, eles propuseram nova Educação, que não atraia mais os jovens, chamaram sindicatos, estudiosos, provocaram imensos debates com os profissionais na sociedade. Aumentaram o piso salarial dos profissionais pelo melhor nível nacional. Criaram comissões com sindicatos, patrões, profissionais, para acompanhar e avaliar as escolas, as condições de trabalho e, em contrapartida, cobrança de resultados em aproveitamento dos alunos, com vários padrões regionais, necessários a um país grande. Se o professor não consegue possibilitar a seus alunos melhores resultados, tudo é analisado localmente. Ele receberá mais apoio, em sua formação e nas condições específicas de exercício. Se o problema, ainda assim persistir, ele poderá ser afastado para uma preparação melhor ou para outra função. Podendo por fim, ser mesmo dispensado, exonerado. No Chile aconteceu algo semelhante, não sei se persiste, mudou governo. Aliás, participei de projetos semelhantes no Conselho Nacional de Educação. Ah, era outro governo, claro, tinha de ser alterado.
A faixa etária dos professores paulistas é muito mais velha que a dos americanos. Em cinco anos faltarão ainda muitos milhares mais de professores. Ou ficarão os que não conseguiram coisa melhor ou os incapazes de tudo, e, quem sabe, algum onírico idealista. Só se fala em aposentadoria. Educar é tratar de Humanidades, coisa complexa, necessariamente vocação e técnica, cultura, mas, sobretudo, Ética. Certo, há quem pense que é só missão suicida. 
Hoje, no Brasil, as pessoas não chegam à escola para aprender, mas para dominar códigos para alcançar o sucesso: “o poder, a fama, o dinheiro”. O que gera mais conflito, mais violência. Muitas vezes o “melhor aluno” não é, nem será, o melhor cidadão. Mas poderá ser um bandido mais bem preparado em técnicas e ideologias.
Enfim, será que os governantes, sempre tão sábios e atentos sobre nós, um dia, perguntarão aos Educadores, que escola se tem, qual se precisa e como fazê-la? Não só para formar gente capaz de passar em provas, mas para termos um melhor cidadão? É verdade, que pode vir a cobrar Ética dos governantes, né não? Deixa quieto?...
   

6. Bossas Novas


            Fiquei olhando aquelas fotos de Brasília. De fato, aquela Cidade deve ser para os brasilienses, ou para a gente ir e voltar. Nas vezes em que lá fui não senti exatamente que era, ou que poderia ser, o meu lugar. Sou mais Suzano, mesmo, sei disso. Ela e seus cinqüenta anos, novinha, bonita de ver, de longe, com um não sei quê de meio frígida, desculpem. Com a chegada de Juscelino Kubitschek à Presidência da República passamos a ouvir muito falar dela. Estudava no Colégio Salesiano Santa Rosa, em Niterói. E os padres falavam muito do fundador da Ordem, o santo Dom Bosco, que disse que no meio da América nasceria uma Cidade especial com um destino fantástico no mundo. Algo de mágico, de divino, sei lá. Depois fui sabendo que até os Inconfidentes Mineiros já propunham uma cidade no Planalto Central do Brasil. Era preciso a marcha para o Oeste. Nós, caranguejos, agora já aprendemos a sair do litoral, ultrapassamos Brasília. Enfim, ela lá e eu aqui. Cada um na sua, né não?
Hoje foi um daqueles dias, dou-me conta. Um jovem, especialista em Informática, em hardware e em software, falava-me em coisas da sua área que ainda me são complicadas. Como lhe explicar que bem antes dele nascer, aí por 1975, fazendo Pós, na Universidade, aplicava um livro em computador para analisá-lo quantitativamente? Ele me olhava de olhos arregalados: que tipo de computador? Queria saber. Se me lembro bem era um IBM 360, já ouviu falar? Não conhecia, sacudiu a cabeça, como se falasse de dinossauros. E não era mesmo coisa da Era Cenozóica? Diverti-me a lhe explicar que primeiro digitávamos, perfurando cartões, que depois eram lidos, registrados pelas fitas magnéticas do computador. A máquina ocupava toda uma sala com seus vários gravadores de discos, como cassetes gigantes de um metro de largura. O lugar ficava muito quente, mesmo com o ar condicionado ligado 24 horas por dia. Eh, tempo, seu!
O som que me vem é de João Gilberto, puro, afiado, afinado, preciso. Assisti a um show dele em que para de tocar, olha para cima e manda desligar o ar condicionado. Não podia ter a garganta ameaçada. Ninguém achou que fosse um exagero. Todos aplaudiram. Gosto dele desde 1958, quando ouvi pela primeira vez tocando “Chega de Saudade”. Estava no Ginásio, algo equivalente ao Ciclo II do Ensino Fundamental. Ele trazia algo muito diferente de tudo o que se ouvia na Rádio Nacional. Ainda não sabia da tal de Alta Fidelidade, que viria mais tarde, e conheci ouvindo jazz. Aí, Mundo, se eu me chamasse Raimundo... E o som que ele tirava do violão parecia que tocava lá dentro da gente, com algo como uma percussão tirada num eco de contrabaixo. Depois fui sabendo de outras coisas, o tal de “Desafinado” e por aí foi. Ainda me emociono ao ouvi-lo. Se ele tem sucessor? Ouçam a Rosa Passos. Artista é aquele que domina a técnica e traduz o mais sensível. Razão e emoção que nos envolvem, com simplicidade, Arte. Sem tempo, só agora.
Acabei lembrando da lição do Poeta-Filósofo Octávio Paz (“Os Filhos do Barro”): “A modernidade é um conceito exclusivamente ocidental e não aparece em nenhuma outra civilização”. Estamos amarrados ao tempo, como nos disse um outro Poeta? Não somos só o que sabemos e o que somos capazes de aprender? E nosso tempo não seria apenas hoje?


 7. Dia da Educação 


             Por volta de 1870, comentava-se que o governo do Segundo Império do Brasil teria concedido autorização ao Barão de Mauá, o introdutor da estrada de ferro no País, associado a João Ribeiro dos Santos Camargo, para que construíssem um ramal ferroviário, que partiria da Estação de Rio Grande (da Serra) e que, passando necessariamente pelo Baruel, seguiria, em direção ao Rio de Janeiro, até Jacareí. A mesma Jacareí que abria o Vale do rio Paraíba e que ganhava importância, tendo sido elevada à condição de Município em 1849, seis anos antes de Mogi das Cruzes.
Essa comentada autorização para a construção do ramal criou a esperança que aquele povo no Baruel precisava. A gente do povoado já vislumbrava o seu desenvolvimento, não era um sonho, era expectativa.
Lembremos que o Baruel havia sido apenas uma parada, uma pousada, na passagem de viajantes. O núcleo populacional inicia-se de fato no último quartel do século XVII, significando àquela altura, na segunda metade do século XIX, perto de duzentos anos de povoação. Era ainda uma gleba afastada de Mogi das Cruzes a que pertencia administrativamente. Não havia porque receber maior preponderância se efetivamente não o merecesse.
O Baruel já havia destacado um local para instalar a sua escola, a reivindicação da população seguramente já era feita há muitos anos. Então, foi com festas que se recebeu a informação de que havia sido promulgada a Lei de 28 de março de 1870. Ela criava, anexa à Capela de Nossa Senhora da Piedade, na Vila do Baruel, uma “cadeira de primeiras letras para o sexo masculino”.
A esperança de progresso do povo do local não era portanto uma visão sem lastro no real. Era de fato patente o seu crescimento. Um simples dado o comprova definitivamente, o local já contava com treze casas comerciais e gente de boas posses.
E nessa época, a criação da Escola representava o reconhecimento efetivo de que a povoação já adquiria uma significação em termos de população. Ficava assim demonstrada a maturidade adquirida com tanto esforço por aquela comunidade simples.
Pode ser difícil de se compreender hoje, mas estamos falando de uma época onde não era considerado “algo positivo” uma mulher saber ler e escrever. Mais ainda pelos sertões deste nosso Brasil. Vale aqui considerarmos que só início deste século XX uma mulher brasileira chegou, pela primeira vez aos bancos universitários. E mais ainda. Só em 1932, após a Revolução Constitucionalista, é que a mulher tem reconhecida a sua dignidade plena de cidadã brasileira, usufruindo do direito do voto. Fato que na realidade coloca o Brasil como um dos pioneiros do mundo.
Educação sempre foi um ponto de honra para os suzanenses, como o demonstram suas manifestações até hoje. E devemos nos orgulhar disso, mesmo sabendo que ainda temos muito a fazer na área. Por isso, esta data, 28 de março de 1870, criação de nossa primeira escola, deve merecer comemoração. Uma Lei Municipal já marca a vontade popular reconhecida, em Projeto do Vereador Israel Lacerda, cria o Dia da Educação de Suzano, e dá início às comemorações do Aniversário da cidade de Suzano.
Numa época em que os Educadores são tão desconsiderados, quando decisões de Educação são tomadas sem que eles sejam ouvidos, quando não tem recursos salariais para regular vida digna, para fundamentarem sua formação e construírem cultura, faz-se importante este registro.



8. Histórias




            Numa conversa com amigos, daquelas de jogar conversa fora, ouvimos umas tantas histórias. Quase sempre nem lembramos no dia seguinte. Mas se lembramos em outra ocasião, também valem, agregam ao encontro com amigos.
            Você já pensou nisso, nesses encontros com amigos, como uma terapia? Não? Então pense, sim. Amigos são para a gente se soltar. Conte lá suas histórias. Jure sempre que são reais, como dizem os americanos no início dos filmes de ficção: “baseado em fatos reais”. O que, verdadeiramente, quer dizer “baseado”? Olha, juro que nem estou falando da tal daquela erva tanto proibida quanto consumida. Mas o tal baseado permite tudo. Quer dizer, adaptamos do real. Ou seja, tudo é tirado do real, ainda que a gente tenha acrescentado algo a mais, né não?
            Lembra daquele velho ditado? Coisa de gente antiga, que dizia assim: “quem conta um conto aumenta um ponto”? Caramba, todo cara que mexe, ou já mexeu, com literatura sabe disso. Coisa que vale para todo mundo, seja professor, seja escritor, ou seja, talvez o mais importante, o leitor. Todo mundo sabe que a gente pode até nem aumentar, mas apenas “ilustrar”, ou por outra, a gente pode “enriquecer” uma história, que ouviu, leu ou mesmo que entendeu.
            Já reparou que as gentes entendem o que lhes contam de maneiras diferentes, de maneiras diversas, uns dos outros, dependendo da ocasião?
            Lembro de um verso do poeta português Eugénio de Andrade, em que ele dizia que seu ofício era “juntar palavras”. Lembro também de ter ficado um tempão pensando sobre isso. O fim no homem talvez seja mesmo só se comunicar, encontrar linguagens, repassá-las aos outros, de modo que eles entendam e nos digam como as receberam, o que entenderam, como entenderam. Não seria esta a finalidade só do poeta, mas do ser humano, dividir com o outro o que sente, o que pensa, o que entende do mundo? Então, se a gente está aí só para misturar palavras (e elas já existiam bem antes de nós), o que nos resta é partilhar.
            Então, contemos nossas histórias.
            Estava pensando em poesia, que é uma coisa que não pode ser sintetizada. Mesmo assim, ainda lembro de uma professora que me pediu para sintetizar, “bem rapidinho, com poucas palavras”, um longo poema de Castro Alves, sobre a escravidão. Disse apenas, “emocionante”. Ela não gostou e abaixou a minha nota. Anos depois aprendi que o poema já é a maior síntese possível de alguma coisa dita. E, ainda assim, um poema chega de modo diverso a cada um. Como é então que duas pessoas podem ler igual?
            Certa vez, num curso de pós-graduação, o professor pediu que falássemos sobre “percurso”. Todos filosofaram sobre o tema. Na minha vez fui contando como sai de casa e cheguei ali, com seus altos e baixos. O mestre disse que todos haviam se afastado da história, eu havia sido o único que entrei na história. Já sabia que filosofando a gente também consegue escapar. Não vi porquê fugir. A gente não quer melhorar o mundo?
            Num poema lembrei do jazz. Nessa música cada instrumentista que interpreta recria através da sua leitura. Há uma troca incessante entre quem escreve e quem lê. Não é assim também que o mundo anda? Que a gente se relaciona com os outros? O mundo é melhor quando todos se doam. Histórias.


 9. Poesia, Poesias 


            Dia desses um amigo me pedia, numa daquelas conversas de se jogar fora, que escrevesse mais sobre a poesia. Ele tinha passado a ler poesia “devagar”, como disse, prestando atenção aos versos, coisa que nunca havia feito antes. E percebia que a poesia de qualidade dizia coisas muito importantes. Na ocasião alguém me disse que havia o Dia Nacional da Poesia, que ele não sabia quando era, só sabia que não era comemorado por ninguém. Seria mesmo verdade?
            Já sabia desse tal Dia constar no calendário oficial do País. Não lembrava mais quando era. Nem cheguei a pesquisar, pois, por acaso, abrindo um livro do poeta baiano Castro Alves (1847-1871), acabei lendo que seu nascimento, a 14 de março, era comemorado como Dia Nacional da Poesia.
            Seria uma homenagem apenas ao Poeta? Ou seria algo bem mais amplo? Seria uma homenagem à criação poética? À arte poética? Ao fazer poético? E o que seria exatamente isso, esse tal de fazer poesia?
            E, finalmente, qual a importância da poesia para a melhoria do ser humano? Em que melhoraria a civilização, no caso, a brasileira? Onde a poesia poderia contribuir para que vivêssemos num mundo melhor?
            Sabemos todos que existe preconceito contra a poesia, não cabe se fazer de ingênuo. Para mim, poesia, a partir dos dezessete, dezoito anos, passou a ser um meio de descoberta do mundo. A gente se torna mais sensível ante as coisas e ante as pessoas. Depois que percebi que os poetas olham o mundo de um modo diferente da pessoa comum, descrevendo ângulos, facetas, que passam despercebidas às demais, a poesia passou a ser uma necessidade para mim. Não me contentava mais em apenas ler, precisa escrever poesia. Aquilo tinha de fazer parte de mim. De algum modo também passei a olhar o mundo com outros olhos.
            Há pouco lembrava de uns versos do poeta espanhol Garcia Lorca, morto pelas tropas franquistas na Guerra Civil Espanhola (1936). Ele disse assim em “La Balada Del Agua Del Mar”: El mar,/ Sonríe a lo lejos./ Dientes de espuma,/ Lábios de cielo”. O que, numa tradução livre, seria algo como: “O mar/ sorri ao longe. Dentes de espuma/ lábios de céu”. Quanta coisa isso poderia significar. O mar seria uma imensa boca, a nos chamar? A nos atrair? pronta a nos beijar? ou a nos devorar? O poeta não tem de dizer, tem de nos sugerir, nos levar a interpretar o mundo que como leitores recriamos.
            Mas o que seria ainda a poesia?
            Para mim, sempre estive seguro disto, a poesia é o fazer do homem. Pois é, o homem é um ser complexo, muito complicado. Mas só o homem é capaz de construir este mundo como o temos hoje. Claro, o mesmo homem tem a capacidade de destruí-lo, igualmente. Mas o homem é esse ser porque se junta, porque aprende junto, porque faz junto, porque se encontra. Pois então estava certo Vinicius de Moraes: “A vida é a arte dos encontros, embora haja tantos desencontros pela vida”.
            Que coisa danada é essa tal de poesia. Viva ela!
                                           
  
10. As Andorinhas Estão Voltando

            Então é Natal... Ouvi essa frase já umas tantas vezes este ano. E ela sempre me parece bonita, como o verso daquela música. E com ela vem todo o encanto que o Natal nos transporta.
            Não me importa se o natal para muitos tem só finalidade de lucro. Se é bom para toda a economia é assim para toda a gente. Mas, voltemos às imagens que guardamos dentro da gente. Elas me vieram de uns pássaros...
            Chovia lá fora. Por isso mesmo o gorjear de passarinhos me pareceu estranho. Parei para ouvir melhor. Não era um canto, podia ser talvez um choro. Olhei para fora do vitrô e vi dois passarinhos tagarelando no parapeito. Eram duas andorinhas ali pousadas e muito molhadas.
            Caramba, o Verão está mesmo chegando, me dei conta.
            O que fizemos com o clima do nosso planeta, da nossa terra, é coisa doente, como uma perversão. A corrupção do mundo. O planeta ainda é redondo, ainda gira em volta do Sol, mas não conseguimos mais manter as temperaturas, nem mesmo as condições climáticas das estações. Como saber que o Verão é Verão? Por que está marcado que ele começa dia 21 de dezembro? Só isso? As suas características são quais? Quem lembra? É quente e tem pancadas de chuva? Só?
            E as antigas Primavera e Outono que chamávamos de meia-estação?
            E a Terra da Garoa? Onde isso? Sumiu no tempo e no espaço.
            Não é conversa de elevador. Não é mais. É preocupação.
            Há pouco olhei lá fora, o tempo nublado, mas não chove. A gente diria antes que o “tempo está encoberto”, quando o Sol ficava assim escondido. Seria poluição? Está fresquinho. Mais uma frente fria que chegou dos Andes ou da Patagônia? Coisas do efeito “La Niña”, ou talvez do seu semelhante o perverso “El Niño”? Deve ser por aí.
            E as andorinhas já voam sua dança alegre. Pra lá e pra cá. Elas cantam aquela sua melodia que sempre reconheci, desde criança. Mesmo quando esqueci, ocupado com os problemas do mundo. Com os meus problemas do mundo, diria melhor, sei lá.
            Posso voltar no tempo. Com as mesmas andorinhas da minha infância que faziam o Verão. Era tudo cheio de alegria. Eu lembro. Quem mais lembra?
            Eram muitas, no olhar de um menino eram milhares, eram milhões. Elas não paravam. Depois, ao chegar a noite, quando os pais nos deixavam sair, ouvíamos o chilrear delas pousadas nas árvores das praças. Elas ficavam ali nos galhos conversando antes de dormir, como ouvíamos os pais conversando no outro quarto. O mundo girava e tudo seguia normal. Sentíamos segurança, podíamos dormir.
            No dia seguinte, olha elas pelo céu. Ligeiras em suas manobras acrobáticas. Era sinal claro. A escola tinha acabado, pelo menos por aquele ano. E depois vinham as festas. Quando íamos ficando maiorzinhos vinha também a Missa do Galo, muito tarde da noite. Vinham os presentes. Caramba, vinha Papai Noel. Então era Natal...
            Havia os presentes, é claro. Mas não era só isso, havia todo um envoltório, um clima. Uma criança talvez não entenda tudo o que ocorre a sua volta, é verdade, mas sente o clima, fica atenta aos sinais, positivos ou negativos. E à expectativa das festas. Mas a criança sente quando há esperança de um Novo Ano Bom, ou não.
            Que cada um de nós consiga encher o peito de esperança e transmiti-la aos outros. Olhemos as andorinhas, elas querem fazer o Verão cheio de alegria.     

Um comentário:

  1. Gosto muito de crônicas. continue publicando suas crônicas para que não só eu, mas todos possam conhecer seu trabalho que é ótimo.
    Um abraço

    ResponderExcluir