Encontro I
Talvez o teu silêncio
Debruçado sobre meus ombros grisalhos
Ou o vinho que não bebi
Sei lá
Chegaste e emudeceste-me os
dedos
E os meus olhos insones
Com teu medo de chegar
De nada vale um peito
Se não te serve de pouso
Na claridade das manhãs
Não libertaste as palavras
No sorriso agridoce de criança
Em que por vezes te escondes
Mansa como chega o vendaval
Janelas devem ser abertas
Ao perfume do verão
Afasta este crepúsculo no
olhar
Não te acorrentes à espera
Ela é solitária
Na angustia do não saber
Devias vir
Miúda e descuidada
Ao encontro de quem ri
Como quem vai para o mar
40
Anos de Poesia
Só em 1997 consegui publicar em livro
três conjuntos de poemas, o “Páginas e Paisagens”. Saia já com três anos de atraso. Eram
seleções feitas daquilo que me pareceu interessante dentre o que havia escrito
em três décadas, a partir dos meus dezessete, dezoito anos. A seleção não era
grande.
Queria
apenas poemas líricos. Do ser e do estar, como do relacionar no mundo. Queria
expressar a minha poética, a minha leitura do mundo pela poesia.
Ali já
constava o poema “Encontro I”, premiado no Mapa Cultural, importante
concurso do Estado de São Paulo, de 1996 e publicado naquele ano numa
antologia. Poema que foi publicado também depois, em 2002, numa antologia de
edição especial em Portugal.
Agora
acrescento alguns outros novos poemas, surgidos no correr desses últimos dez
anos. Antes e depois de um livro importante para mim, como foi o “Escapando
das Brumas da Manhã” (2000). Os versos desse livro aqui marcam uma passagem
da minha vida quando ao assumir a minha
responsabilidade política fui levado a afastar-me para longe da minha gente e
da minha terra. Marca especialmente a permanente certeza de que o sol sempre
volta a brilhar, por mais escura que tenha sido a noite. Marca também o meu
modo de agradecer pelo reconhecimento da poesia que me expressa pela minha
gente de Suzano.
É a partir da minha vila que sempre
desejei alçar meu vôo. Mas ainda agora precisava trazer mais fortemente a minha
mui ilustre Cidade de Suzano para dentro dos meus livros. Ela é uma insigne
personagem sempre a procura de autor. Outros já a buscaram descrever, faço-o
também, é o meu Canto. E justamente é com “Meu Recanto” que principio a
inclusão de poemas inéditos em livro. Alguns já haviam sido
publicados em jornais e revistas ou lançados pela
Internet.
Esse e alguns outros poemas dedicados
à cidade de Suzano são parte de um livro maior, “Canto Mirambava”, que
há anos venho escrevendo e que quero publicar num tempo futuro. Livro que não
pretende ser nenhum “Canto Geral”, como o do Neruda, mas que busca tratar de
múltiplos aspectos da trajetória suzanense e desse meu interminável encontro de
permanentes descobertas com a Cidade. Antes disso, alguns poemas desses serão
lançados num especial álbum de fotografias “Retratos de Suzano”. Anexo ainda alguns poemas de “Pelo
Caminho”, uma edição especial.
Talvez possa ser interessante deixar
registrado nesta Advertência que o critério que definiu a ordem de apresentação
dos poemas foi basicamente o cronológico. Alguns conjuntos dos poemas mais
recentes podem ser identificados por suas temáticas. Deixo ao leitor a
delicadeza de outra escolha se o preferir.
Só não fazem parte desta Antologia os livros mais recentes, os pequenos
“Palavras à Poesia” e “Sobre a Pele”, que neste momento estão em
fase de finalização, sendo publicados em um só volume. Igualmente ainda não
saem alguns poemas que formam conjuntos que por enquanto não tomei a decisão de
publicar.
De Mestre a Aprendiz
Templo
Todo homem é um templo
Erguido toque a toque
Sobre a pedra bruta
O afagar do tempo
Faz-nos crescer
No encontro justo
Até tornar-se polido
Até tornar-se perfeito
Página
Ela me grita
Pálida de espanto
Escreve
Escreve-me toda
Corrompe a minha beleza
Em sua aspereza
Macula
Do que julga encantos
O suave papel
Com a tinta suja Dos seus versos brancos
Invenção Brasileira
Será que existo
Serei difuso
Ou sou apenas invenção
De um discurso?
De fala
De cor
De destino e desejo?
O que me faz idêntico
O que me faz diverso
Sem tamanho
Nesta explosão em que
desperto?
Quando eu sou
Quando deixo o meu feito
Quando eu falo
Sou quem está no meu
peito?
Ou reproduzo
O que me moldaram
Com muito jeito?
Quase Chegam os Sessenta
“Vai o tempo baixando talvez em meu corpo,
em teu corpo, uma rosa,
e como um termômetro a idade da
rosa desce à terra;”
Os Anos (A Barcarola) – Pablo
Neruda
Agradecido cada dia
Quase chegam os sessenta
Sem o espelho se quebrar
Olho o meu filho ao lado
Tantos dizem ser como eu
Sei que ele tem a mesma angústia
De querer sempre acertar
Sabendo que erra o tanto que é seu
Querendo que o pai lhe tenha orgulho
Querendo que o acerto total
Chegue a sua mão por inteiro
Quanto esperei do meu pai
Minha filha quer apreender o mundo
Como os sonhos que já vivi
E deixo vivos a me acalentar
A mulher vê em mim ainda o garoto
Que ela escolheu o leito e os braços
E que nunca lhe negou o peito
Alguns colegas e amigos por vezes
Cismam de confiar
Que não cometa erros
(Haveria aí uma cobrança?)
Eu o mais-que-imperfeito
Ainda que pese a bondade deles
Não consigo tomar o disfarce
E desminto no meu jeito lento
Sem conseguir o modo de transformar
Num Impecável-Super-Suami
Este moreno anjo vesgo
As árvores que aqui plantei
Os versos que um dia escrevi
Do que tentei ensinar
Muito mais do que aprendi
Fica a vontade de fazer além
No tanto que há por vir
O tempo é o tempo tão só
Dos poemas a cada dia construir
O tempo de aprender
É sempre o tempo de viver a hora
Parabéns pelo blog. Um abraço
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